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A fuga do sentido

Christian Schloe , “The Beginning Art Print”
Christian Schloe , “The Beginning Art Print”
Julia Solano

MILLER, Jacques-Alain. La fuga del sentido. Buenos Aires: Paidós, 2012. p. 262.

Pero cuando digo despertar, pienso en otra cosa diferente a ese despertar del interés. Pienso precisamente en el despertar que interviene en la pesadilla, y tal como Lacan lo dice en el Seminario 11 precisamente. Ocurre cuando encontramos algo que no es del todo atractivo sino, por el contrario, algo que produce horror, y de lo que no se querría saber nada más, hasta el punto de que despertamos para, como lo dice Lacan, continuar soñando con los ojos abiertos, para no continuar el sueño de horror. Allí, en la pesadilla, hay un verdadero encuentro con el Otro, el verdadero Otro, es decir, lo real. Cuando el dormir ya no está protegido por el sueño, cuando no podemos continuar gozando al soñar, y la pulsión precipita al sujeto en la realidad para que continúe soñando con los ojos abiertos.


No texto em questão, Miller traça a trajetória do conceito de interpretação no ensino de Lacan, circunscrevendo-o em três momentos.
O primeiro momento está relacionado as primeiras produções de Lacan que define a interpretação como a decifração daquilo que não pode ser dito pelo sujeito. A interpretação lacaniana, nesse período, está diretamente relacionada a articulação significante e visa sobretudo desvelar o significado reprimido de determinado conteúdo, semelhante ao que Freud propunha.

O segundo momento da interpretação em Lacan encontra-se no seminário 11, quando ele aponta para a relação da sexualidade com o inconsciente, situando-a para além da linguagem. O inconsciente passa a ser concebido como uma descontinuidade, uma fissura, que toma a forma de uma borda que se abre e se fecha. No momento da abertura, surgem as formações do inconsciente dispostas a decifração. A repetição também está situada aí, marcando assim o movimento repetitivo do significante que obriga o sujeito a circular infinitamente em torno do mesmo ponto, evitando, dessa forma, o “encontro sempre falho com o real”. O objeto a barra essa repetição na medida em que se localiza obturando a borda, produzindo, assim, o seu fechamento. Tudo que é da ordem desse fechamento aponta para a sexualidade, inapreensível pela vertente simbólica. Diante do fechamento, cabe ao analista recorrer a interpretação, relançando o sujeito nos sentidos infinitos da cadeia significante que promove uma abertura do inconsciente. É interessante perceber que Lacan, apesar de admitir a existência da relação entre pulsão e significante, opta por mantê-los disjuntos. O surgimento do objeto a na cena analítica é, nesse momento, visto como um entrave, e o simbólico se configura como a principal vertente na direção da cura.

Mais adiante, esse impasse vai ser resolvido, levando-nos ao terceiro momento destacado por Miller no ensino de Lacan. É a época do seminário Mais, ainda, na qual o inconsciente passa a se definir como um querer gozar ao invés de um querer dizer e o conceito de interpretação é virado do avesso. Nesse período em que o registro real assume primazia no desenvolvimento lacaniano, a interpretação passa a visar além do sentido, apontando para o objeto a. A interpretação, nessa perspectiva, deve ser tomada como um despertar, diz Miller. Não se trataria do que poderia ser tomado como um despertar do interesse, mas de algo que se assemelharia a um despertar do pesadelo. Durante o pesadelo há um encontro com um Outro real que causa horror ao sujeito, fazendo-o acordar para continuar sonhando com a realidade que nada mais é do que uma versão do mundo que se enquadra perfeitamente ao seu modo de gozo. Ou seja, o sujeito acorda do pesadelo para continuar a dormir. Lacan nos lembra que o inconsciente tem a tendência natural de fazer o sujeito adormecer; a fantasia fundamental é um exemplo disso, na medida em que o engessa em uma realidade fixa, condicionando-o a interpretar os acontecimentos sempre a partir de um determinado enquadramento. É como pilotar o carro em piloto automático em uma pista reta. Só é preciso olhar pra frente e se deixar ser guiado sempre na mesma velocidade; permanecer nisso por algum tempo inevitavelmente dá sono. Pode ser que de repente surja um grande buraco no meio do caminho e isso provavelmente promoverá um despertar. A partir daí, será preciso encarar a estrada de outra forma, rever a velocidade, possíveis danos sofridos pelo carro, checar se é necessário encontrar outra rota; o fato é que a viagem já não será como antes. Haverá um antes e depois do buraco. A interpretação como despertar é justamente o buraco na estrada. Uma intervenção que aponta para o furo, retirando o sujeito dos circuitos infinitos da trama simbólica que o contornam até o adormecimento. Há um antes e depois desse encontro com o real. O sujeito não é mais o mesmo após vivenciá-lo.

Seria algo análogo ao que ocorre com Freud, quando, durante seu sonho, encara horrorizado a boca aberta de Irma. Ele realiza uma análise minuciosa do sonho que o conduz em uma narrativa em torno do sentimento de culpabilidade, mas o que o desperta não diz respeito a isso, mas ao encontro traumático com essa boca que se abre remetendo-o ao real da morte e da sexualidade sobre o qual nada consegue dizer a respeito. Ele é durão, nos lembra Lacan, e por isso segue dormindo para continuar desperto, encarando o real de frente. Essa é a lição que Freud nos deixa.

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