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As mulheres são loucas de amor, porém, não-toda

Kazuhiko Nakamura . “Beehive”
Kazuhiko Nakamura . “Beehive”
Amanda dos Santos Araújo
Aluna do Curso Teoria da Psicanálise de Orientação Lacaniana (TPOL/IPB)
[…]Só para você
Eu dei o mundo
Só para você
Eu mudei tudo
Só por você[…] Te amo tanto, te amo tanto
Que construo uma mentira bonita para você
Te amo tão loucamente, te amo tão loucamente
Que tento me apagar e me tornar seu boneco…
(BTS, 2018).

Os filmes, os exemplos da clínica e os poetas, como cita Lacan (1954-1955/1985) que mesmo sem saber o que dizem, “sempre dizem, no entanto, as coisas antes dos outros” (p. 14) retratam a busca incessante das mulheres pelo amor e para serem amadas. Mas, o que as fazem conduzir ao limite da loucura por esse amor que tanto procuram? O que as fazem perder o controle quando não são correspondidas e cometem atos impulsivos e descontrolados?

O amor sempre teve um importante lugar de estudo para psicanálise. No Seminário 20, Lacan (1972-1973/1985) trabalha o amor sob o viés do gozo. Dado a inexistência da relação sexual, cabe ao amor fazer suplência. Sendo assim, o amor tem a função de estabelecer a conexão com o Outro.

Entretanto, o amor para as mulheres sempre teve mais importância do que para os homens, Freud (1926/2014) demarca que a angústia que as mulheres sentem não está atribuída à “perda real do objeto, mas à perda do amor por parte do objeto” (p.87). Dessa forma, a angústia que uma mulher vivencia à perda do amor é equivalente a angústia que os homens sentem frente à ameaça de castração. Nesse seguimento, Lacan (1960/1998a) destaca que “se a posição do sexo difere quanto ao objeto, é por toda a distância que separa a forma fetichista da forma erotomaníaca do amor (p. 742).

Parcerias sintomáticas e os modos de gozo

O que define o parceiro-sintoma do lado do homem é a estrutura do Todo x, com base no pequeno a, enquanto o que irá definir o parceiro-sintoma do lado da mulher  é a estrutura significante do Não-todo, como o Outro barrado. Esses lados – homem ou mulher – são posições de gozo e que não dependem do sexo biológico, já que, como nos diz Soler (2006) “o inconsciente não conhece a biologia” (p.16), logo, essas “estruturas significantes do corpo determinam o parceiro-sintoma como meio de gozo” (MILLER, 2015, p. 93).

O pequeno a que define o parceiro-sintoma do lado do homem, “é uma unidade discreta de gozo, separável, contabilizável” (Ibid., p.93). Não é algo do significante, mas sim do objeto a que sustenta o aspecto do significante. Se existe um objeto a, pode-se localizar, enumerar, referir na existência, é limitado.

A forma do amor fetichista do homem se dirigir ao objeto, é representado na tabela da sexuação como: $ → a.  Podemos dizer que esta é umas das formas do objeto a, apresentando-se como um elemento invariável. Isso quer dizer que no amor fetichista o falasser sempre irá procurar o mesmo traço em uma mulher, ou seja, mudam as mulheres, mas o traço não. O homem goza fora do corpo, a partir da fantasia, “o que ele tem a ver é com o objeto a, e que toda a sua realização quanto à relação sexual termina em fantasia.” (LACAN, 1972-1973/1985, p. 116).

Do outro lado, o parceiro é levado a tomar o formato do não-todo. Dessa maneira, enquanto o parceiro-sintoma do homem tem o aspecto de fetiche, o parceiro-sintoma do lado da mulher irá assumir o aspecto erotômano de amar,

Isso se vê no passe: os homens, de início tem de resolver a questão da fantasia, da forma fetiche que as suas fantasias impõem ao parceiro, enquanto que o falasser feminino, na análise, tem, em primeiro lugar de resolver a questão do amor, e é isso a erotomania (MILLER, 2015, p. 94).

A mulher não assume o caráter fetichizado pelo fato da castração estar presente nelas desde a origem. Por sua vez, no homem, o fetichismo traduz “o desmentido da castração que aqui podemos homologar, por aproximação, ao real do qual alguém se protege” (MILLER, 2010a, p.2). Em oposição, evoca-se a ideia de uma proximidade maior das mulheres com o real.

[…] são as mulheres que lembram aos homens que são enganados pelos semblantes, que não valem nada em comparação com o real do gozo. Nisso as mulheres são mais amigas do real que os homens, e têm acesso mais fácil do que eles à verdade de que o falo não é todo e é semblante (MILLER, 2010b, p.16).

Faz-se necessário pontuar que a aproximação das mulheres com o real não equivale ao sentido invasivo do real característico da psicose. Para o homem, seu modo de gozar reivindica que seu parceiro assuma um modelo, e isso pede até uma imposição de um pequeno a. Seu gozo pode ser sustentado pelo silêncio pois, para ele, o gozo, “tem sempre algo de limitado, de circunscrito, de localizado e de contabilizável” (MILLER, 2015, p. 95).

Enlouquecendo de amor: a forma erotomaníaca de amar

Do lado feminino, a exigência do falasser ao parceiro-sintoma, por seu gozo ser ilimitado, caracteriza-se de uma forma diferente. A demanda de amor existente na sexualidade feminina é incomparável a que apresenta ao lado masculino. A demanda de amor em si só abrange a especificidade absoluta, visada ao infinito, que é exposta “no fato de que o não Todo não está formado” (MILLER, 2015, p. 95). Esta é uma demanda que fundamenta sobre o ser do parceiro, que o Outro me ame, isto é que desvela sua forma erotomaníaca de amar.

Lacan (1960/1998b) esclarece que a forma erotomaníaca de amar se dá em virtude no apego da mulher com o homem que ela elege como seu objeto de amor. Existem dois axiomas essenciais que o parceiro do falasser feminino precisa saber: o primeiro é que para amar, é preciso falar. O amor é inconcebível sem a palavra, justamente por amar é dar o que não se tem, “e não se pode dar o que não se tem senão falando, e falando que damos nossa falta-a-ser” (LACAN 1972-1973/1985, p. 97). O segundo axioma, nas palavras de Miller (2015) refere-se à ideia de que, para gozar é preciso amar. Ou seja, “isso é, verdadeiramente, uma exigência do lado feminino, e eu poderia escrever a sequência – falar, amar, gozar. Do lado feminino não se pode gozar senão da fala, de preferência da fala de amor” (p. 97).

Em outra instância, o homem goza sem palavras e sem amor. Sendo assim, o homem é um monstro e a mulher uma chata, e a chata erotômana que sempre coloca em questão: “você me ama?” (MILLER, 2015, p. 98). Ela não pode deixar indagar por esse amor, já que esse é o meio pelo qual ela goza. Nessa lógica, podemos dizer que toda vertente do amor feminino é erotômano.

Apesar do objeto a estar do lado da mulher na tabela da sexuação, o gozo feminino não passa por ele. Enunciamos com isso que o gozo é dependente da imposição pulsional. Nesse seguimento, Bessa (2012) demarca que “a sexualidade feminina se caracteriza pelo fato de o gozo estar ligado ao amor do Outro sob a forma de S (A/)” (p.96) e precisamente este que expõe o gozo que não conhece limites, não obedece a lógica fálica, nem ao objeto a. O amor sem limites presente na sexualidade feminina não está incluso nos limites da lei. Esse gozo exige que seu parceiro se mostre como A/, ou seja, aquele que falta alguma coisa, dirigindo assim, a sua demanda de amor sem limites, a mulher não toda defronta-se com o Outro barrado. Sendo assim, “é nessa vertente que a demanda de amor surge com toda sua insistência” (Ibid., 2012, p. 88).

No escopo dessa pesquisa, perguntamos, por que as mulheres enlouquecem mais? Para Lacan (1972-1973/1985), a erotomania tende a mulher não-toda à loucura. Miller (2015), ao apresentar o motivo da loucura das mulheres, enfatiza que é pela razão de ter como parceiro o A/ por trás delas, por este motivo que esta erotomania se diferencia da erotomania presente na psicose. Clérambault (1921/2009), que se empenhou no tratamento de sujeitos com paranoia, caracteriza a erotomania como “à ―convicção ilusória de ser amado, e [ao] ardor na busca do objeto” (Ibid., p. 301) com isso, existe a certeza delirante que o outro o ama.

Dessa maneira, podemos dizer que as mulheres são loucas de amor, mas “[…] não completamente, o que diferencia esse modo de amar do delírio” (DUPIM & BESSET, 2011, p.4). Nessa insistência de amor Lacan, (1973/2003) demarca que todas as mulheres são loucas. “É justamente por isso que elas não são todas, isto é, não loucas-de todo, antes conciliadoras: a tal ponto que não há limites às concessões que cada uma faz para um homem: de seu corpo, de sua alma, de seus bens” (Ibid., p. 540).


Referências
BESSA, G. Feminino: um conjunto aberto ao infinito. Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2012.
BTS. Fake Love. Bang, S.; Kang, H.; Kim, N. Coréia do Sul. Big Hit Entertainment. 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7C2z4GqqS5E. Acesso: 15 de nov. 2021
CLÉRAMBAULT, G. (1921). Erotomania pura. Erotomania associada. In: BERLINK, M. T.; BERRIOS, G. E. Erotomania. São Paulo: Escuta, 2009.
DUPIM, G; BESSET, V. Um Nome Para Dor de Amor. Em: Opção Lacaniana online, Ano 02, número 06, 2011. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_6/Devastacao_Um_nome_para_dor_de_amor.pdf  Acesso em: 10 de setembro de 2020.
FREUD, S. (1926). Inibição, sintoma e angustia In: Obras Completas, volume 17. São Paulo: Companhia das letras (2014).
LACAN, J. (1954-1955). O seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
LACAN, J. (1960). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998a.
LACAN, J.  (1960). Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998b.
LACAN, J.  (1972-1973). O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
LACAN, J.  (1972). Televisão. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
MILLER, J. A. Mulheres e semblantes I. Em: Opção Lacaniana online nova série Ano 1, Número 1, 2010a. Disponível em: http://opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_1/Mulheres_e_semblantes_I.pdf Acesso em: 10 de setembro de 2020.
MILLER, J. A. Mulheres e semblantes II. Em: Opção Lacaniana online nova série. Ano 1, Número 1, 2010b. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_1/Mulheres_e_semblantes_II.pdf Acesso em: 10 de setembro de 2020.
MILLER, J. A. O osso de uma análise + O inconsciente e o corpo falante. 1.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2015
SOLER. C. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
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