skip to Main Content

Editorial – L(a)psgami – dobra do instante que escapa não sem marca

Wilker França
Raíssa Silveira

Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. (Água viva, Clarice Lispector)

De um mesmo papel, uma nova dobra. Mas é da dobra que se redesenha o papel: Laps, boletim do Instituto de Psicanálise da Bahia, nasce como extensão da revista Lapsus – e, ao nascer, faz reviver de outro modo o que veio antes. Essa nova forma carrega algo da origem, mas não como repetição: como invenção. Um lampejo que dobra o tempo e reabre a cena. Uma torção: da mesma folha, outra forma.

A epígrafe de Clarice Lispector nos remete a esse instante que sempre escapa. A Laps surge para seguir acolhendo essas irrupções como formas de inscrição de algo que toca a experiência analítica e que se transmite, mesmo sem contornos bem definidos. O boletim não tem um formato fixo ou periodicidade determinada. É aí que se joga algo essencial da psicanálise lacaniana: o boletim se deixa causar, não organiza nem totaliza; é chamado pelo resto, pelo lampejo, pelo tropeço – aspectos do objeto a. Um pensamento que acende numa transmissão, uma frase que reverbera, uma imagem que se conecta a outra: fragmentos da experiência viva de formação que cada um corajosamente se dispõe a escrever.

Os textos do Laps são livres, mas sem perder seu rigor epistêmico: curtos, poéticos, objetivos ou experimentais. Textos-pergunta, textos-imagem, textos-frase. Não exigem bibliografia extensa, nem estrutura fechada. Precisam apenas de desejo – o desejo de escrever, de partilhar, de lançar ao mundo um lampejo do que tocou.

Em vez do compasso imposto pelo tempo cronológico, buscamos escutar outra cadência. Como na psicanálise, não se trata de produzir sob demanda, mas de acolher o que irrompe. É desse tempo, que não é da urgência, que esperamos que surjam os textos – pelo ímpeto daquilo que ressoa. Sem calendário, mas com causa.

O Laps também não tem um formato fixo. Pode se dobrar como zine, estender-se em vídeo no Instagram, imprimir-se em papel e ocupar as paredes do Instituto etc. Essa plasticidade não é decorativa: ela faz corpo com aquilo que tentamos tocar. O boletim aposta em formas múltiplas e transitórias. O que há é o esforço em dar contorno ao que escapa, ao que insiste, ao que causa. O importante é que cada produção esteja em ressonância com a psicanálise de orientação lacaniana – ainda que de forma leve, oblíqua, atravessada por outras linguagens ou saberes.

O Laps é espaço de circulação e invenção. Uma abertura para dizer algo. Um boletim que escuta o lapso, o furo, a surpresa – e aposta que, justamente aí, alguma coisa se transmite.

Para dobrar o início, além desse editorial-apresentação, três textos: Raphael Gadelha escreve a partir de uma pergunta lançada no tempo, feita a Monica Hage, durante um Seminário de Formação Permanente. A questão não cessou ali: seguiu pulsando, desdobrou-se em linhas que versam sobre o inconsciente transferencial e sua diferença com o inconsciente Real e que agora podemos ler. Graziela Pires, também associada do Instituto, borda sua escrita com o que a tocou no comentário de Marcelo Veras sobre a série Adolescência. E o texto de Liliane Sales, “Divinos detalhes entre arte e escrita”, escrito a partir das obras da artista e professora doutora em Artes Juliana Palhares, que produziu os desenhos exclusivos  para esta nossa edição.

Boa leitura!

Back To Top