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Obesidade e narcisismo

Andréa Pato

A escuta do paciente obeso provoca o analista a buscar dar sentido àquilo que parece ser simplesmente desprovido disto. A ideia no presente texto é discutir um ponto muito preciso que surge a partir da observação clínica de alguns casos e, seguramente, não diz respeito a todos. Trata-se de um sem sentido absoluto. Algo que não entra na lógica da demanda, pois parece que não está em cena um outro a quem dirigi-la. O obeso geralmente apresenta um corpo hiperexcitado pelo lugar central em que se coloca no investimento da sua própria libido e pela vivência muito primária de que é ainda centro das intenções e interesse do mundo.

Alguns autores, como Gunfinkel (2011), acreditam que nas adições de forma geral -a comida sendo uma delas-, existe um “narcisismo primário absoluto e perturbado na tarefa mais básica de constituição do aparelho psíquico e suas instâncias” (p.69).

Freud (1914), em relação ao prejuízo causado pelo excesso de libido voltada para o próprio corpo, diz:

(…) o desprazer é sempre a expressão de um grau mais elevado de tensão e que, portanto, o que ocorre é que uma quantidade no campo dos acontecimentos materiais é transformada, aqui como em outros lugares, na qualidade psíquica do desprazer (…) Reconhecemos nosso aparelho mental como sendo, acima de tudo, um dispositivo destinado a dominar as excitações que de outra forma seriam sentidas como aflitivas ou teriam efeitos patogênico (p. 92).

O que se percebe na escuta desses pacientes é que a comida constante vem barrar uma tensão corporal que é vivida de forma insuportável. Nota-se um narcisismo que sinaliza algo falho na construção do aparelho psíquico, deixando o sujeito sem recursos simbólicos para conter o excesso da experiência afetiva que, muitas vezes, se aproxima da angústia psicótica.

Fala-se de narcisismo por conta de um modo de gozar que exclui o outro ou o que quer que possa ser compartilhado. Não se trata dos excessos cometidos em dias de festa e sim de todo o resto escandaloso que precisa comer para manter 50kg de excesso de peso. Esse “a mais” se faz quando todos os outros já foram dormir.

O obeso faz alteração na sua vida sexual, substituindo o prazer genital pelo prazer promovido pela comida, o que se torna, gradualmente, sua finalidade sexual dominante (Gunfinkel, 2011). Fica evidente a busca incessante por prazer, que suplanta qualquer outro interesse, sexual ou não.

Na obesidade, como em outras adições, há um vício em se ter o máximo de prazer possível; o que, em geral, está associado com pouca ou nenhuma inclusão do prazer do outro. É comum escutar pacientes falando do vício na paixão, que vem associado à dificuldade em estabelecer vínculos amorosos a longo prazo. A posição narcísica dificulta que o sujeito se mantenha na relação quando a excitação e as surpresas se tornam mais escassas. Ele não pode amar o objeto e suas sutilezas, apenas quer ser amado por este e usá-lo enquanto lhe proporcionar satisfação.

Assim, é feita uma compensação somática constante para assegurar a inserção social do sujeito que não suporta intervalos na sua satisfação e necessita sempre de algo que faça escoamento ao seu excesso de sensações.


Referências
CHARBONNEAU & MOREIRA. (2013) Fenomenologia do transtorno do comportamento alimentar hiperfágico e adições. Rev. Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. São Paulo, 16(4), 529-540.
FREUD, S. (1914) Sobre o Narcisismo: uma introdução. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud (Jayme Salomão, trad.). (Vol. 14, pp. 81 a 108). Rio de Janeiro: Imago, 2006.
________. (1917) Conferência XXVI: A teoria da libido e o narcisismo. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud (Jayme Salomão, trad.). (Vol. 16, pp. 413 a 431). Rio de Janeiro: Imago, 2006.
GURFINKEL, D. (2011) Adições: paixão e vício. São Paulo: Casa do Psicólogo.
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