Lapsus, a-mostra… sua causa Pablo Sauce “Membro da EBP/AMP Caros leitores, Os aguarda neste número…
O tratamento ao gozo nos novos sintomas
Rogério de Andrade Barros
Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Membro da EBP/AMP
Na contemporaneidade, inaugura-se a época do Outro que não existe (MILLER, 2010). Trata-se do fim da época freudiana, do reino do Nome-do-Pai em sua vertente simbólica de tratamento do gozo. Sob o paradigma das psicoses, interessa agora pensar o sintoma em face da ausência do significante no Outro.
A clínica psicanalítica, ocupada de um “saber mutante” (BRODSKY, 2013, p. 7) é sensível ao Outro social, de forma que “se o Outro muda, muda a clínica, já que a clínica não está dada no real” (Ibid., p. 7). A grande questão não mais se pauta na ausência ou presença do significante que metaforiza o desejo materno, mas se configura propriamente como “o que domestica o gozo?” (Ibid., p. 29).
Os novos sintomas são signos da não-relação sexual e fazem valer, predominantemente, sua vertente de satisfação pulsional. Os chamados “novos sintomas” devem ser pensados a partir desse panorama: “queda do Outro, promoção do objeto ‘a’ como causa de um desejo insaciável e exigente de novidade sem detenção, e as posições sexuadas vetorizadas pela tese da ‘feminização do mundo atual’” (ANTEBI, 2009, p. 8).
Em tempos de “capitalismo pulsional” (BLANCO, 2009, p. 11), encontramos sujeitos cuja busca de satisfação é compulsiva, levando a efeitos desastrosos. A relação entre sujeito e objeto, destituída da sua vertente simbólica, faz ver a face aditiva do sintoma: “o sujeito atual se sustenta na necessidade de consumo compulsivo, em condutas aditivas” (Ibid., p. 11).
Com base no hedonismo contemporâneo, a oferta desmedida de objetos apaga a subjetividade e os sujeitos contemporâneos apresentam-se cada vez mais desprovidos daquilo que os particularizam e os diferenciam (TUDANCA, 2012), homogeneizados pelo mercado de consumo (ANTEBI, 2009), capturados pelos objetos que os fazem dependentes (BLANCO, 2009). Essa dependência denuncia a ausência de recursos simbólicos para lidar com a separação, tendo por consequência a prevalência atual de sintomas cada vez “mais vinculados ao narcisismo, mais regressivos”, evidenciando uma nova economia pulsional.
O mal-estar atual evidencia a impotência do simbólico, ou seja, o esfacelamento do ideal do semblante paterno como regulador do gozo. Como consequência, temos novas defesas do real, constituições em que evidenciamos o retorno da exigência de gozo sobre o supereu (BROUSSE, 2009).
Miller (1998), a partir da releitura freudiana realizada por Lacan, serve-se da duplicidade do sintoma para localizar os impasses do sujeito na sua relação com a linguagem, especialmente no que se refere à separação do Outro. Essa relação se realiza a partir do objeto a. Nessa direção, o objeto a representa a interseção entre os campos da pulsão e da cultura.
De um lado, temos o campo das pulsões parciais, nível em que “há relação com o objeto oral, objeto anal, escópico, mas não há relação com a pessoa” (MILLER, 1998, p. 15). Trata-se de um domínio em que prevalece o gozo solitário, autoerótico, sem haver ainda uma unificação das pulsões. Dizemos, assim, que no campo das pulsões parciais o gozo é desordenado, não havendo ainda o falo como significante que ordena o investimento da libido através de um operador simbólico (MILLER, 2005).
Para que isso ocorra, é necessário um desenvolvimento posterior, fazendo com que nós nos transformemos nos “encantadores seres sociais que somos” (Ibid., p. 15). É preciso que advenha o campo do Outro, submetendo a pulsão “à circulação do complexo de Édipo, às estruturas de parentesco, o que denominamos campo da cultura” (Ibid., p. 15). Miller marca, ainda, que no terreno da parcialidade pulsional não há homem e mulher, não há relação do homem com a mulher como tal, o que se formaliza do lado do grande Outro.
É importante sinalizar que os dispositivos culturais não alteram as pulsões parciais. As mudanças sintomáticas de cada época decorrem do modo peculiar com que os sujeitos, servindo-se dos artifícios da própria cultura, gozam dos objetos disponíveis a partir dos ideais. O sintoma é “um aparelho para localizar o pequeno a” (p. 16), objeto que insere o elemento cultural na pulsão, fazendo existir, assim, uma aparelhagem significante sobre o gozo. Para os novos sintomas, a fantasia, tela simbólica a partir do qual Lacan (1957-1958/1999) articula o simbólico ($) e o real (objeto a), parece não possuir qualquer utilidade em meio às possibilidades irrestritas de gozar sem limites dos sintomas de supermercado.
A ausência de uma referência ao Outro, sinal da inoperância do Nome-do-Pai como organizador de gozo, não é sem efeito. Para “apaziguar o mal-estar relativo ao declínio da figura do pai e à inconsistência do Outro” (TENDLARZ, 2007, p. 27), evidenciamos o recurso a identificações imaginárias mutáveis “que funcionam como suplências em face do déficit simbólico” (Ibid., p. 27). Suplências que devem ser entendidas como formas de reparar o lapso do nó, realizando novamente o nó que ata os registros real, simbólico e imaginário (MILLER, 2008).
Clínica continuísta
Tendlarz (2007) afirma que, a partir das mudanças do novo século, os saberes foram convocados a rever suas classificações, de modo que alguns diagnósticos deixaram de ser operativos. No campo específico da psicanálise, notamos a passagem de uma clínica descontinuísta, pautada na inscrição do Nome-do-Pai, à clínica continuísta, “[…] de conexão, borromeana, na qual o suporte não é mais a inscrição do Nome-do-Pai, mas a foraclusão generalizada e a relação do sujeito com seu sinthoma” (TENDLARZ, 2007, p. 28). Dessa forma, deslocamos a ênfase anteriormente dada à estrutura, para nos inclinar à “unidade elementar do sintoma” (Ibid, p. 28). Se o “envoltório formal” se modifica, o núcleo do sintoma, que é o gozo, é ainda o mesmo, de modo que concordamos com Tendlarz (2007) ao considerar que “não existe uma nova pulsão” (p. 28).
Ante o fracasso do Nome-do-Pai em nomear e regular o gozo do ser de fala, surgem, no campo social, nomeações imaginárias e reais (DAFUNCHIO, 2013). Distintas das nomeações simbólicas, essas nomeações revelam a impermeabilidade à palavra. São, antes disso, sintomas mudos (MILLER, 1997), que nada querem dizer, não interpelam o intérprete, não fazendo apelo ao Outro. Pauta-se aí o desafio do ato analítico frente aos novos sintomas e seus modos de gozo, desaparelhados do Outro. Um novo tempo para um novo analista? É esta mesma a aposta de Lacan ao pluralizar os Nomes-do-Pai em sua heresia. Seguimos a sua subversão, reinventando a clínica a cada paciente.