Lapsus, a-mostra… sua causa Pablo Sauce “Membro da EBP/AMP Caros leitores, Os aguarda neste número…
A função paterna na devastação
Vanessa Farias
Associada ao Instituto de Psicanálise da Bahia (IPB)
A noção de devastação está associada a relação da filha com o desejo materno, sendo que a relação com o Outro materno se revela clinicamente no caso a caso. É uma relação em que se observa um demasiado apego à mãe, por vezes uma fixação, submissão nesta relação, podendo haver repercussões na vida amorosa futura, constatando-se, muitas vezes, recusa dessas relações. Quando se fala de devastação, imediatamente se relaciona ao termo “materno”.
Onde entra o pai nesta relação? Nos casos clínicos acompanhados pude observar uma relação de amor ao pai, admiração e carinho, mas que, por outro lado, é um pai que se apresenta opaco, ausente, submisso aos caprichos da mãe, não cumprindo nenhuma função de esteio para estas filhas, claudicando o significante paterno. Daí surge o interesse de se fazer uma breve investigação sobre a função do pai na psicanálise e, especificamente, na devastação.
Na obra freudiana a função do pai sempre ocupou um lugar de destaque, sendo considerado como fundamental na constituição psíquica do sujeito, onde utiliza-se conceitos como complexo de édipo, incesto e castração.
Já Lacan (1957 – 1958), ao falar do pai em seu ensino, revela a função paterna, associado-a ao complexo de Édipo, sendo essa função a de interditar a mãe; ele é o encarregado de proibir o incesto, a partir de sua presença e efeitos no inconsciente. O pai, para Lacan, é um significante que substitui um outro significante: é uma metáfora. É a metáfora paterna. Esse primeiro significante é o significante materno, que é substituído pela função do pai no complexo de Édipo. Isso é explicado através da fórmula da metáfora paterna. Nesta metáfora, se trata da colocação substitutiva do pai como símbolo ou significante, no lugar da mãe.
A criança depende do desejo da mãe mas se desvincula da dependência efetiva deste desejo através da constatação de que a mãe pode ou não estar presente, que há algo a mais presente na vida da mãe, além da criança, um objeto do seu desejo, que é o falo. A partir daí algo se institui, uma subjetivação, se afirmando o desejo da criança, que é a apetência do desejo da mãe (idem).
Neste sentido, o pai, ao privar a mãe do seu objeto de desejo – o objeto fálico – desempenha um papel fundamental na neurose e em todo o desenrolar do complexo de Édipo (ibidem).
Para articular o lugar do pai na devastação é necessário trazer duas definições do conceito de devastação para Lacan, onde encontramos menção a esta função, que é uma metáfora:
Na primeira, que encontra – se no seminário 17 (1969 -1970), Lacan fala:
“O papel da mãe é o desejo da mãe. É capital. O desejo da mãe não é algo que se possa suportar assim, que lhe seja indiferente. Carreia sempre estragos. Um crocodilo em cuja boca vocês estão — a mãe é isso. Não se sabe o que lhe pode dar na telha, de estalo fechar sua bocarra. O desejo da mãe é isso. Então, tentei explicar que havia algo de tranquilizador. Digo-lhes coisa simples, estou improvisando, devo dizer. Há um rolo, de pedra, é claro, que lá está em potência, no nível da bocarra, e isso retém, isso emperra. É o que chama falo. É o rolo que os põe a salvo se, de repente, aquilo se fecha.” (p. 118).
Estava se referindo a metáfora paterna, ao mencionar o rolo de pedra que está lá, potente, que impede a boca do crocodilo de se fechar.
Isso não quer dizer que essa substituição não é menos terrível, mas é mais favorável porque não impede o desenvolvimento, enquanto que não havendo essa substituição, ou seja, ser engolido ou devorado pela mãe, não há uma saída para algum desenvolvimento. Isso significa que a criança fica fixada na mãe, assujeitada a ela – um dos aspectos na devastação. (Lacan, 1956/57)
Na segunda vez em que menciona a função paterna na devastação encontra-se no texto O Aturdito (1972):
“… a elucubração freudiana do complexo de Édipo, que faz da mulher peixe na água, pela castração ser nela ponto de partida (Freud dixit), contrasta dolorosamente com a realidade de devastação que constitui, na mulher, em sua maioria, a relação com a mãe, de quem, como mulher, ela realmente parece esperar mais substância que do pai – o que não combina com ele ser segundo, nessa devastação.” (Lacan, p. 465).
O pai como segundo no estrago não é o fundamental no Édipo, ou seja, a função paterna não está bem representada. Nos casos de devastação, a metáfora paterna, não se consegue fazer a substituição do pai como símbolo ou significante, no lugar da mãe, fica em segundo plano.
Para Bayon (2013), isto quer dizer que há uma escolha inconsciente do sujeito que pode ou bem esperar mais substância da mãe, deixando-a na devastação, ou bem virar-se para o amor do pai, o que a localizará na histeria.
Mas, para isso, o pai não deve estar submetido aos caprichos da mãe para poder encarnar a sua função de interditá-la, de castrá-la. Ele deve encarnar o lugar do potente rolo de pedra que funciona na boca do crocodilo que proibe a criança de ser devorada pelo desejo materno sem lei, ocupando o lugar de primeiro, e não de segundo no complexo de Édipo.