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O desejo do analista na contemporaneidade e a efervescência do discurso da ciência

Camila Abreu Costa
Associada ao Instituto de Psicanálise da Bahia (IPB)
Parte da Nova Política de Juventude da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP)

Pensando a contemporaneidade e o discurso da ciência: como o desejo do analista e a causa analítica podem manter-se vivas? Em os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan nos diz que “é o desejo do analista que, em última instância, opera na psicanálise” (LACAN, 1964/2008). O analista opera a partir da lógica do bem-dizer e não do bem-estar. Segundo Miller (2015), a operação do analista segue a lógica de uma operação-redução, oposta à amplificação do significante. Isso pode nos levar a pensar que, diferente da ciência, a psicanálise não segue uma via de eliminar o sintoma. Lacan, no seminário XXIII define o sintoma como função de letra, um signo isolado da cadeia significante, uma cifra de gozo (LACAN, 1975-76/2007),

Em ciência e a verdade, Lacan nos convoca a pensar que o psicanalista se situa em sua práxis e que o sujeito sobre quem operamos só pode ser o sujeito da ciência, ou seja, a psicanálise lida com sujeitos que estão na efervescência do discurso da ciência e que recebem os efeitos deste discurso (LACAN, 1965/1998).

A grande questão é que, enquanto a ciência se aprofunda em um ideal de sujeito, a psicanálise se encarrega em direcionar seu olhar aos efeitos psíquicos desta operação. Dito de outro modo, o que interessa à psicanálise é o que resta do foracluído, justamente o que é deixado de lado pela ciência. A questão da ciência é que a verdade não é causa, não quer saber da causa. Diante da ciência e toda sua proposta de veracidade, a psicanálise está atenta ao modo como cada “um”, em sua singularidade, toma esta verdade e a utiliza em sua própria existência.

Pensando por esta via, “não há ciência do real”, ou seja, não há uma veracidade absoluta. A psicanálise considera a formação inconsciente do “um”, que passa por uma invenção, uma ficção. O pensamento cientificista ou uma epistemologia que conceba o real como algo evidente e empiricamente observado, apreendido e que se concerne pela via do saber sabido, não diz da psicanálise (BASSOLS, 2015)

Lacan, salienta que o lugar da psicanálise na medicina é atualmente marginal, extraterritorial e que a prática da medicina é acompanhada de doutrinas científicas consideradas como uma aquisição da ciência e acentua que é de extrema relevância certas aquisições científicas que mantêm um organismo vivo, diante seus avanços. Por outro lado, o desejo da medicina e da psicanálise são diferentes (LACAN,1966/2001).

Ainda neste texto, Lacan aponta que é na medida em que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, que o equívoco pode aparecer na vida do ser falante. Logo, o discurso da psicanálise não consegue e nem tem a intenção de operar e produzir efeitos pragmáticos e experimentais.

E então, continuo me questionando: Como o desejo do analista pode operar na contemporaneidade sem desconsiderar a ciência?

Lembrei-me de uma notícia recente; a da Nathália Pasternak, uma cientista que retrata a psicanálise demarcando o critério, de que, por ser uma pseudociência, não deve ser considerada como um método válido (GEROLIMICH, 2023). Este foi um “boom” em que muitos analistas, talvez oportunamente movidos pelo desejo da causa analítica, ousaram arriscar suas vozes. De certo, a psicanálise não é absoluta, já que precisamos considerar a transferência e o inconsciente e, consequentemente, não podemos ignorar seus efeitos. Trata-se, como diz Miller, de acreditar no inconsciente (MILLER, 2008-09/2011).

Cito Lacan na lição 3 de maio de 1961:

Certamente, não é adequado contentarmo-nos em pensar que o analista, por sua experiência e sua ciência, seja o equivalente moderno, o representante, autorizado pela força de uma pesquisa, de uma doutrina e de uma comunidade, daquilo a que se poderia chamar o direito da natureza (LACAN, 1960-61/2010, p.329).

Ainda interrogando o desejo do analista e o discurso da ciência, talvez o desejo do analista possa contemplar vários âmbitos. Isso quer dizer que manter viva a causa analítica, também é do nosso desejo. Não se trata de uma disputa, mas de um diálogo possível entre discursos diferentes. Esta é minha aposta.


Referências
BASSOLS M i PUIG. Não há ciência do real. In___A psicanálise, a ciência, o real. p.9-18. Rio de Janeiro: Opção Lacaniana, 2015.
GEROLIMICH, I. Que bobagem (e desserviço) é atacar a psicanálise. Publicado em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/que-bobagem-e-desservico-e-atacar-a-psicanalise/. Acesso em: 20 de setembro de 2023.
LACAN, J. Seminário livro 8: A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964), p.33. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
LACAN, J. A ciência e a verdade (1965). In___Escritos, p.869-892. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LACAN, J. (1966). O lugar da psicanálise na medicina. Opção Lacaniana, 32:8-14. 2001.
LACAN, J. (1975-1976) Le séminaire livre XXIII: le sinthome Paris: Éditions du Seuil, 2007.
MILLER, J. (2008-2009) Perspectivas dos Escritos e Outros Escritos de Lacan. Entre desejo e gozo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editorial, 2011
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